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O que move os Prêmios Nobel

Quatro excepcionais cientistas alemães arriscam uma visão antecipada.

13.08.2012
© Jan Greune - Gerd Binnig

Gerd Binnig: O melhor dos dois mundos

Caixas estão empilhadas em seu escritório: a firma Definiens, de Gerd Binnig, vai mudar para nova sede em Munique. Combina com o chefe, sempre dinâmico. Em 1986, Binnig ganhou o Prêmio Nobel de Física pela invenção do microscópio de varredura por tunelamento. A Definiens utiliza hoje moderníssimo software para analisar as imagens.
“Já hoje aplicamos com êxito o nosso método de análise de imagens por software na pesquisa biológica e médica. Nossa técnica orienta-se menos por algoritmos abstratos e mais pela maneira como nós, seres humanos, observamos e entendemos as imagens. Há alguns anos, era tido como impensável que um computador pudesse analisar uma seção de tecido. Isto é possível com o nosso método, e demonstra o enorme potencial da avaliação de imagens. No futuro, precisamos juntar ainda mais o melhor dos dois mundos: a rapidez e a precisão das máquinas, com o forte do ser humano – reconhecer contextos através da sua capacidade de entender as imagens. O software do futuro será marcado substancialmente pelo conhecimento de cada setor especializado. Em determinados casos, um médico pesquisador pode programar melhor que um informático: pois ele está mais ligado ao desafio propriamente dito. O software vai distanciar-se cada vez mais das exigências técnicas e tornar-se, de certa forma, mais humano”.
O microscópio de varredura por tunelamento, desenvolvido por Binnig e pelo suíço Heinrich Rohrer, possibilita a visão do mundo das nano-estruturas. As chances futuras parecem hoje enormes: “Com a nanotecnologia abriu-se uma porta para um novo mundo. Na minha opinião, nós nos encontramos em meio a uma segunda gênese. Na primeira gênese, desenvolveram-se dos átomos as estruturas moleculares e, finalmente, inúmeros seres vivos. Hoje, temos a chance de desenvolver estruturas extremamente complexas a partir de minúsculas nanopartículas. Ainda há um longo caminho a percorrer. Mas exatamente a nanomedicina poderá exercer um papel importante no futuro. Tome, por exemplo, o câncer: já para poder entender realmente a doença, temos futuramente de penetrar mais nas nano-estruturas – e nesse nível, novas abordagens terapêuticas poderiam também ser efetivas”.
Tratar a complexidade, tornando-a aproveitável – Gerd Binnig liga este desafio também com a visão de um nanocomputador de alto desempenho: “Para poder construí-lo, precisamos entender ainda muito melhor as estruturas do mundo nano. Os nanocomputadores de alto desempenho poderão ser úteis nos mais variados e complexos desafios, como crises econômicas mundiais ou o tratamento de tumores. Tais computadores poderiam distribuir inúmeras tarefas especiais a diversos elementos de computação. Pode-se entender isto como uma rede de computadores especializados que cooperam entre si num espaço ínfimo. Ideal seria se lográssemos fabricá-lo – como o seu modelo, o cérebro – de maneira tridimensional com um grau de reticulação extraordinariamente alto. Então, poderia ser desenvolvido um computador que deixaria para trás tudo o que conhecemos até agora”.

Hartmut Michel: O potencial do Sol

Nós o encontramos num lugar do futuro: Science City Riedberg é o nome do novo bairro de Frankfurt do Meno, onde os operários constroem um prédio após outro. Hartmut Michel, que ganhou o Prêmio Nobel de Química de 1988 pela sua participação na decifração da fotossíntese, pesquisa aqui algo especial: as proteínas de membrana.
“Na descrição estrutural das proteínas de membrana há um grande potencial de desenvolvimento de medicamentos. Das cerca de 800 proteínas de membrana, chamados receptores acoplados à proteína G e que transmitem sinais ao interior das células no corpo humano, não conhecemos a molécula sinalizadora de cerca de 350. Se lograrmos esclarecer as funções desses receptores, podemos aplicar aí novos medicamentos e terapias. O que é possível, já demonstra o bloqueador de receptores aplicado objetivamente para impedir o crescimento de determinados tipos de câncer de mama. Além disto, existem especulações de que uma redução da comunicação entre o núcleo celular e as mitocôndrias seria uma das causas do envelhecimento. Isto gera a esperança de que, no futuro, as doenças degenerativas possam ser combatidas através da melhoria da coordenação entre o núcleo celular e as mitocôndrias e talvez se possa, até mesmo, retardar o envelhecimento”.
Mas o avanço até os mais finos processos celulares exige métodos apurados e alta tecnologia requintada. Hartmut Michel descreve as perspectivas: “Eu espero muito do sequenciamento dos genes de tumores. Através da comparação com tecido sadio, podem ser descobertas as mutações-chaves e bloqueadas objetivamente as proteínas ativadas no tumor. Na descrição estrutural das proteínas de membrana temos de lutar, enquanto isto, com dois desafios. Só pudemos extrair quantidades suficientes, até agora, de muito poucas proteínas de membrana. Além disto, estas proteínas também têm de ser suficientemente estáveis, para podermos cristalizá-las de forma complexa. Talvez isto possa ser dispensado com o emprego de um laser de elétrons livres com raios X de extrema intensidade. Um destes lasers de desempenho especial já opera em Stanford nos EUA e também em Hamburgo outro laser entrará em funcionamento dentro em breve. O bombardeamento de moléculas isoladas com tais raios X intensos permite o registro de padrões de difração. Poderia permitir, com isto, a decifração de estruturas sem cristalização prévia e assim uma enorme aceleração”.
Já decifrado foi o processo vital da fotossíntese. Também graças a Hartmut Michel que, no entanto, também pode imaginar inovações nesta área: “A eficiência da fotossíntese é muito baixa. Menos de um por cento da energia da luz solar é armazenada na forma de biomassa. A capacidade da fotossíntese esgota-se já com 20% da energia total da luz solar, 80% não podem assim ser aproveitados. Se os cientistas lograrem, por exemplo, diminuir o mecanismo de recolhimento de luz da fotossíntese, esta manipulação poderia aumentar substancialmente os rendimentos na agricultura. Para a produção de energia renovável, a questão do armazenamento é decisiva. Nisso, eu vejo grandes chances para baterias de novo tipo, por exemplo, à base de estanho, lítio e enxofre, cuja capacidade de armazenamento superaria em muitas vezes a das baterias de lítio, até agora utilizadas”.

Theodor W. Hänsch: O abalo da concepção do mundo

Pode-se ver seu prazer nas descobertas. Sorri satisfeito quando pensa em concepções estremecidas no mundo da física. Da mesma forma, quando fala do potencial da espectroscopia de precisão. Pelo aperfeiçoamento desta técnica de medição, principalmente pela invenção do pente de frequência, Theodor Hänsch foi laureado com o Prêmio Nobel de Física de 2005.
“Desenvolvemos instrumentos sempre mais precisos. Com base no pente de frequência, aproveitamos em relógios ópticos as frequências da luz como marca-passo de alta precisão. E estes instrumentos de medição tornam-se cada vez mais praticáveis. Para poder medir a frequência da luz, há dez anos, ainda se necessitava de um prédio inteiro. Hoje, é suficiente um aparelho sobre a escrivaninha. Talvez, no futuro, possamos usar um destes relógios de luz no formato de uma caixa de fósforos. Os aparelhos de medição tornam-se menores e mais robustos, criando possibilidades de novas aplicações. Por exemplo, no espaço sideral, onde a técnica do pente de frequência será utilizada em breve nos sistemas de navegação por satélites. Do aperfeiçoamento constante, esperamos basicamente relógios mais precisos com elevado aproveitamento em todas as partes em que já são importantes hoje. Assim, não apenas a navegação por satélites se tornará ainda mais precisa. É possível também que, através de relógios precisos, as redes de telefonia celular sejam mais bem sincronizadas, e que os celulares tenham assim um desempenho ainda melhor. Também na pesquisa astronômica são utilizados os pentes de frequência, já que podem medir linhas espectrais, ou seja, a luz de planetas distantes. O Observatório Europeu do Sul, em La Silla no Chile, vai utilizar o pente de frequência a partir de 2013, para tentar descobrir planetas semelhantes à Terra”.
Para Theodor Hänsch, contudo, não é apenas o espaço sideral que pode nos surpreender. Toda a concepção do mundo da física pode transformar-se: “É possível que estejamos numa fase semelhante à dos físicos no final do século 19. Também naquela época, muitos pensavam que o substancial já teria sido descoberto e confiavam no nível de conhecimento da mecânica e da eletrodinâmica de então. Mas já havia os primeiros sinais de transformações revolucionárias. Veio então a Teoria da Relatividade de Einstein, que mudou basicamente a nossa compreensão de espaço e tempo. E a física quântica produziu regras inteiramente novas. Também hoje, há sinais de que a nossa imagem do mundo poderá mudar substancialmente. Fenômenos como a energia escura ou a matéria escura encaixam-se inteiramente nesta concepção do mundo. Os teóricos buscam a maneira como poderíamos juntar a gravitação e a física quântica. Ao contrário, como experimentador, eu tento descobrir discrepâncias com o modelo reinante, através de métodos de medição cada vez mais exatos. Assim, estes métodos de medição poderiam provar também que as constantes naturais hoje conhecidas, na verdade, não são tão constantes assim”.

Erwin Neher: A chave dos conhecimentos

Alguns riscos de giz são suficientes a Erwin Neher, para explicar segredos das células humanas a seu hóspede. Simples, mas genial – assim sempre é descrita a técnica de patch clamp, criada por Neher e Bert Sakmann e que esclareceu a função dos canais iônicos nas células, trazendo aos dois pesquisadores o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1991.
“Meu departamento no Instituto Max Planck de Química e Biofísica, em Göttingen, ocupa-se atualmente com neurotransmissores, substâncias semioquímicas, que atuam nas nossas células nervosas através das sinapses. Para isto, nós nos concentramos numa sinapse do nervo auditivo. Aí está a chave de conhecimentos valiosos sobre o processamento de sinais acústicos. Ainda não entendemos de forma suficiente o processo da audição. Talvez as nossas pesquisas contribuam para esclarecer fenômenos como a capacidade de localização de sons. Já que trabalhamos com uma sinapse típica para o sistema nervoso, esperamos obter também de maneira geral melhor compreensão básica de processos importantes como a aprendizagem ou a memória. Aliás, a maior parte das enfermidades incuráveis são doenças degenerativas do sistema nervoso como, por exemplo, Alzheimer. Elas são incuráveis, porque não entendemos o sistema nervoso. Assim, o nosso trabalho pode prestar aqui uma contribuição para o futuro”.
Com a técnica de patch clamp, Neher e Sakmann lograram isolar, pela primeira vez, um minúsculo canal iônico, decifrando assim a comunicação celular. Neher vê diversas chances na busca de visões cada vez mais profundas: “Um potencial especial tem, por exemplo, o trabalho do meu colega de Göttingen, Stefan Hell. Ele chegou até ao setor nanométrico com o seu aperfeiçoamento do micro­scópio óptico. Com a técnica de patch clamp, já havíamos criado, há 30 anos, as bases para medir os mais finos sinais das células. Mas também aqui existe ainda potencial para o futuro. A firma Nanion, de Munique, desenvolveu um processo automático de patch clamp, baseado em chip eletrônico, com o qual podem ser testadas inúmeras substâncias em muito pouco tempo. Isto vai acelerar de forma substancial o desenvolvimento de novos medicamentos”.
Para Erwin Neher, outros potenciais para o futuro estão no exame de canais iônicos com mutação artificial: “Muitas doenças hereditárias podem ser atribuídas à mutação de canais iônicos. Podemos ‘simular’ tais mutações em modelos animais, estudar suas funções modificadas e extrair assim conclusões importantes sobre o surgimento das doenças hereditárias – o que pode levar a novos métodos de terapia. Desta maneira, já pôde ser desenvolvida uma terapia para a diabetes infantil. E talvez se possa, de forma semelhante, obter o controle também sobre outras doenças.

Transcrição: Johannes Göbel