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“Um lugar da literatura mundial”

A mãe de Thomas Mann cresceu em Paraty, no Brasil. Essa origem é frequentemente mencionada na obra do ganhador do Prêmio Nobel.

Martina Farmbauer, 28.05.2025
A casa onde nasceu Julia Mann (1851 – 1923) em Paraty
A casa onde nasceu Julia Mann (1851 – 1923) em Paraty © Martina Farmbauer

Este pode ser o lugar que inspirou o fascínio de Thomas Manns pelo sul e seu amor pelo mar: a baía de Paraty, cerca de 250 quilômetros ao sul do Rio de Janeiro, na exuberante natureza tropical. De qualquer forma, alguns especialistas acreditam nisso. “É um lugar da literatura mundial”, diz Johannes Kretschmer, professor de literatura alemã na Universidade Federal Fluminense, em Niterói.

Julia Mann, nascida Julia da Silva-Bruhns
Julia Mann, nascida Julia da Silva-Bruhns © ETH-Bibliothek Zürich, Thomas-Mann-Archiv / Fotograf: Unbekannt / TMA_1287

Na baía fica a casa onde Julia da Silva-Bruhns passou sua infância, filha de um alemão e uma brasileira de Angra dos Reis, que mais tarde se casou com o comerciante Thomas Johann Heinrich Mann, de Lübeck. E mãe dos escritores Heinrich e Thomas Mann, ambos nascidos em Lübeck. 

Há muito tempo desabitada e ameaçada pela degradação

A vista da varanda da casa “Casarão do Engenho Boa Vista” abrange a praia e o mar até a cordilheira Serra do Mar. Há muito tempo desocupado, o edifício corria o risco de ruir, pois parte do telhado já havia desabado. No entanto, no 100º aniversário da morte de Julia Mann, que faleceu em 11 de março de 1923 perto de Munique, o atual proprietário organizou uma inauguração da casa renovada. 

No entanto, ainda não se sabe ao certo o que acontecerá com a casa – se ela será utilizada para fins culturais, se a memória de Julia Mann será preservada ali. Em 6 de junho de 2025, comemora-se o 150º aniversário de Thomas Mann. “Seria uma boa oportunidade para tornar isso realidade. Mas isso depende dos proprietários”, diz Luciano Vidal. O ex-prefeito de Paraty, que se dedica à história esquecida da cidade, seguiu os passos de Julia Mann em Lübeck e Hamburgo, estabeleceu conexões institucionais e promoveu Paraty como destino turístico.

Com medo da cólera, o pai mandou-a para Lübeck

Em 2024, o Brasil comemorou a chegada dos primeiros imigrantes de língua alemã há 200 anos. Johann Ludwig Hermann Bruhns, de Lübeck, fez parte da primeira geração de imigrantes alemães. Ele administrava plantações de cana-de-açúcar e casou-se com Maria Luísa da Silva, uma brasileira de origem portuguesa. Eles tiveram cinco filhos, entre eles Julia da Silva-Bruhns, que mais tarde se tornou Julia Mann. A mãe morreu ao dar à luz ao sexto filho. Com medo da cólera, o pai mandou os filhos para sua cidade natal, Lübeck, e vendeu a casa em Paraty. Julia tinha seis anos na altura. A moça cresceu no norte da Alemanha, casou-se e teve cinco filhos, entre eles Heinrich e Thomas. 

Uma vez na praia [...], depois novamente atrás da casa, na orla da floresta primitiva.
Julia Mann em “Da infância de Dodô. Memórias”

“Que Julia era brasileira e se chamava da Silva-Bruhns é algo que nem mesmo alguns germanistas sabem“, escreve o ex-diretor do Goethe-Institut São Paulo, Dieter Strauss, no artigo ‘Julia Mann – ’Você é brasileira!'”. Julia Mann registrou seus primeiros anos de vida, mas seus escritos foram publicados apenas em 1958, sob o título “Da infância de Dodô. Memórias”. Na obra, ela descreve a mudança para a Alemanha como um afastamento do paraíso da infância. Ela idealiza Paraty, onde “a menina loira [...] corria descalça”; “uma vez na praia [...], depois atrás da casa, na borda da floresta, onde ela recolhia cocos e bananas caídos [...] e da floresta ecoavam quase ininterruptamente os gritos selvagens dos macacos e papagaios”. 

No esboço autobiográfico, Julia Mann usa repetidamente termos da sua língua materna, o português. Também nas obras de Heinrich e Thomas Mann há referências à cultura sul-americana. Thomas Mann, que fugiu dos nazistas para a Suíça e os Estados Unidos, nunca chegou ao Brasil. No entanto, ele criou personagens de romances inspirados em sua mãe. E, após receber o Prêmio Nobel em 1929, ele disse a um jornalista que sua mãe era brasileira e que herdara dela o talento artístico.

Frido Mann diante de uma foto de seu avô Thomas Mann
Frido Mann diante de uma foto de seu avô Thomas Mann © pa/dpa

Mais tarde, Frido Mann dedicou-se intensamente à herança brasileira da família; ele é considerado o neto favorito de Thomas Mann. O psicólogo e escritor aprendeu português, fez pesquisas em Paraty, transformou o material em um romance chamado “Brasa” e defendeu a preservação da casa onde sua bisavó cresceu. 

Por enquanto, a ideia do centro cultural fracassou

O projeto de um grupo liderado por Frido Mann de comprar a casa e criar um centro cultural europeu-brasileiro não avançou devido à situação patrimonial parcialmente obscura. Em 2008, Frido Mann desistiu do projeto. O velejador e aventureiro brasileiro Amyr Klink, que já havia construído uma marina no terreno vizinho, finalmente adquiriu a casa em 2013, após um processo complicado. 

Na inauguração da casa após a reforma em 2023
Na inauguração da casa após a reforma em 2023 © Martina Farmbauer

O professor de literatura Kretschmer e seu colega germano-brasileiro Paulo Astor Soethe, que escreveu o livro “Pátria. A família Mann e o Brasil” em parceria com Karl-Josef Kuschel e Frido Mann, dão continuidade à ideia com recursos acadêmicos. Uma de suas abordagens: A casa poderia servir como residência para escritores e tradutores. O proprietário Klink não exclui uma utilização cultural, se a mesma for viável. O que acontecerá com esse edifício histórico, significativo em muitos aspectos, será, portanto, uma questão financeira.