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A diplomacia entre crises e guerras

Mandato da Alemanha no Conselho de Segurança das Nações Unidas – um balanço.

20.12.2012
© UN Photo/Mark Garten

Na virada de ano 2012/2013, a Alemanha deixa o Conselho de Segurança das Nações Unidas, após um mandato de dois anos no sistema de revezamento. Com isto, a Alemanha Federal participou desse grêmio pela quinta vez, desde 1977/78. Durante o mandato de 2003/2004, a rotina de trabalho foi dominada pela guerra do Iraque. Agora, o período do mandato alemão foi marcado sobretudo pelos acontecimentos no mundo árabe.

Inicialmente, chamou atenção a surpreendente abstenção alemã, em 17 de março de 2011, na votação sobre uma intervenção na Líbia. Com isto, a Alemanha postou-se do lado da Rússia e da China. A decisão do governo federal alemão irritou diversos países parceiros. Tanto mais veemente, depois, tentou-se, a partir de Berlim, mobilizar o Conselho de Segurança para evitar a continuação do sofrimento na Síria. Mas o bloqueio através da Rússia e da China parece quase insuperável. O ministro das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, manifestou-se com franqueza sobre isto, em setembro de 2012, diante da Assembleia Geral em Nova York. De fato, a crise da Síria confirmou uma vez mais que o Conselho de Segurança é um órgão político, cujas decisões dependem principalmente dos interesses dos cinco membros permanentes – EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China. A acusação de seletividade no tratamento dos conflitos é legítima, mas faltam mecanismos alternativos.

Atualmente, a atenção do Conselho de Segurança está voltada para mais de quarenta focos regionais de crise: a abrangência dos instrumentos vai da prevenção e mediação, passando por medidas de “peace keeping” e de “peace building”, até a sanções e intervenções militares compulsórias. Um tema permanente são os conflitos nucleares com o Irã e a Coreia do Norte. A problemática do desarmamento e da não-proliferação das armas de extermínio em massa teve, desde o início, prioridade no planejamento do mandato alemão. Afinal, a Alemanha é, ao lado dos EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha e França (E3+3), uma das principais negociadoras no conflito atômico com o Irã.

Apesar da sobrecarga crônica, todos os anos novas crises e conflitos são incluídos na pauta de trabalho. Em outubro de 2011, por exemplo, foi aprovada pela primeira vez uma resolução sobre a situação no Iêmen, na qual as autoridades iemenitas foram conclamadas a respeitar o direito internacional humanitário e os direitos humanos em relação à própria população. Conforme anunciou o embaixador alemão na ONU, Peter Wittig, a Alemanha teve uma participação decisiva na aprovação dessa resolução.

A rotina dos trabalhos no Conselho de Segurança exige que todo membro exerça determinadas funções. Ao assumir o dossiê do Afeganistão, a Alemanha tornou-se responsável, entre outras coisas, pela coordenação da política em relação a Cabul. Isto incluiu também a prorrogação dos mandatos para a tropa internacional de proteção ISAF e para a missão de reconstrução civil UNAMA. Além disto, o embaixador alemão foi nomeado presidente da comissão de sanções contra a Al-Qaeda e o Talibã. Durante este período, o Conselho de Segurança decidiu separar os dois regimes de sanção. Com isto, é possível aproveitar ainda mais objetivamente as medidas compulsórias contra o Talibã, a fim de avançar no processo político do Afeganistão.

Além disto, os diplomatas alemães participaram do grupo de trabalho sobre crianças e conflitos armados. Sua tarefa constitui em identificar as partes conflitantes que recrutam crianças-soldado e que cometem outros graves crimes contra as crianças. Assim, entre outras coisas, foi aprovada, sob a liderança do governo alemão, uma resolução que proscreve os ataques a escolas e hospitais.

Os trabalhos correntes oferecem aos membros não-permanentes do Conselho de Segurança poucas oportunidades de obter repercussão junto à opinião pública. Por isto, eles geralmente aproveitam a chance de por determinados temas em foco, durante seus meses na presidência. A presidência do Conselho de Segurança é revezada em ritmo mensal. A Alemanha a assumiu em julho de 2011 e em setembro de 2012. Nesse papel, logrou-se entre outras coisas voltar as atenções para os efeitos da mudança climática na política de segurança e para os interesses dos pequenos países insulares, ameaçados de maneira especial pela subida do nível do mar. Tradicionalmente, os problemas de sustentabilidade e de meio ambiente são tratados em outros grêmios da ONU. Muitos países emergentes e em desenvolvimento temem que o Conselho de Segurança possa ganhar uma influência crescente também nesta área. O governo alemão baseou-se contudo numa compreensão mais ampla de paz e segurança. Por isto, do ponto de vista alemão, foi um êxito que o Conselho de Segurança tenha tratado do tema numa declaração da presidência, em julho de 2011, após difíceis negociações.

Durante a segunda presidência, em se­tembro de 2012, a Alemanha iniciou um debate, em nível dos ministros do Exterior, sobre como pode ser fortalecida a cooperação entre as Nações Unidas e a Liga dos países árabes na prevenção de conflitos e na solução de conflitos. Tendo como pano de fundo a crise da Síria, o conflito do Oriente Próximo, a controvérsia atômica iraniana e o perigo de uma escalada na região, o debate encetado pelo governo federal alemão tem caráter de urgência.

A avaliação do balanço alemão no Conselho de Segurança em 2011/2012 dependerá da expectativa de cada um. Entre outras coisas foi criticada a falta de uma ampla estratégia da Alemanha. Esta crítica ignora, contudo, que é extremamente limitado o espaço de desdobramento para os membros não-permanentes do Conselho de Segurança. Uma grande parte da energia é consumida nos trabalhos rotineiros. Além disto, o Con­selho de Segurança está em constante estado de alerta. Sua principal tarefa é a de reagir às ameaças agudas da paz. Por isto, os planejamentos de longo prazo e os conceitos estratégicos passam frequentemente para o segundo plano.

Os déficits estruturais do Conselho de Segurança são conhecidos de maneira geral: a falta de representatividade e a hegemonia dos cinco membros com direito a veto lançam sua sombra sobre a legitimidade deste grêmio. Uma constelação especial surgiu no ano de 2011, pelo fato de que estavam representados no Conselho de Segurança o Brasil, a Índia, a África do Sul e a Nigéria, quatro pesos-pesados, que reivindicam o papel de liderança nas respectivas regiões e ambicionam um mandato permanente no grêmio. Apesar disto, não pôde ser logrado
nenhum passo básico de reforma. Ideias não faltaram, mas até agora as divergências de opinião e as rivalidades entre os adeptos da reforma impediram o consenso sobre um modelo aceitável. ▪

Dr. Christian Schaller é subchefe do grupo de pesquisa de Questões Globais na Fundação de Ciência e Política (SWP), Instituto Alemão de Política Internacional e Segurança.