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O desafio da crise dos refugiados

A Alemanha empenha-se por uma solução humanitária europeia para a crise dos refugiados.

06.04.2016
© dpa/Tolga Bozoglu - Refugees

Meio ano depois do dramático agravamento da crise dos refugiados na Europa, os países da União Europeia (UE) firmaram um acordo em março de 2016, que poderá trazer o início do fim da crise. Significativamente, a abrangência do acordo vai além da UE, pois entre si os europeus não puderam chegar à medida necessária de coesão e determinação. Somente através da ampliação do círculo com a inclusão da Turquia é que os chefes de governo europeus lograram a compensação de interesses contraditórios: a Turquia recebe de volta todos os migrantes sem direito de asilo, que cruzarem sua fronteira com a UE. Para cada sírio recebido de volta pela Turquia, os países da UE acolherão um refugiado sírio vindo diretamente da Turquia. Eles apoiarão a Grécia no despacho rápido dos requerimentos de asilo e duplicarão até 2018 a ajuda para os refugiados na Turquia, até agora fixada em três bilhões de euros. Além disto, a UE concordou com a dispensa de visto de entrada para cidadãos turcos, condicionada ao cumprimento de uma série de condições políticas, jurídicas e técnicas.

O acerto de detalhes do Plano de Ação UE-­Turquia, logrado com a cúpula de março, condiciona o êxito da política europeia de refugiados a uma cooperação com a Turquia e a disposição da política turca para uma cooperação séria. A situação do país numa vizinhança marcada por conflitos, seus riscos e conflitos internos e suas fraquezas quanto ao Estado de direito não geram as melhores condições para isto. Através do acordo, os países da UE aproximaram-se mais, ao mesmo tempo, das causas do fluxo de refugiados. Eles deixaram assim a zona confortável dos comunicados, conferências de prestação de ajuda e apoio ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e passaram a intervir diretamente no abastecimento dos milhões de refugiados do Oriente Médio e Próximo. A estabilidade da Europa depende agora em parte também da estabilidade da Turquia.

Pelo visto, a chanceler federal Angela Merkel tinha esta interligação em mente quando ressaltou em 16 de março de 2016, no seu pronunciamento oficial diante do Parlamento Federal: “Conflitos, que antes nos pareciam muito distantes, hoje nos envolvem diretamente, e eles sempre voltarão a envolver-nos diretamente também no futuro”. Pois o antigo padrão de reação do isolamento já não funciona mais; o “controle de efeitos externos”, como é chamado na linguagem da política de segurança, não é mais possível num mundo estreitamente interligado. Para a Europa, isto significa contribuir ativamente para a pacificação e a regulagem dos muitos conflitos na sua vizinhança, a fim de poder viver ela própria em segurança e paz.

Por isto, a ligação com a Turquia deverá ser apenas um elemento, dentro de um engajamento maior. A declaração da cúpula já continha alusão a uma intensificação da cooperação com o Líbano e a Jordânia, onde a situação das pessoas nos campos de refugiados é muito mais crítica que na Turquia. A conferência de ajuda financeira à Síria, de fevereiro de 2016 em Londres, trouxe a promessa da doação de uma ajuda de 6 bilhões de dólares em 2016 e de outros 6,1 bilhões de 2017 até 2020. A Alemanha contribuirá, de sua parte, com 2,3 bilhões de euros até 2018. Decisivo é que os recursos prometidos sejam realmente postos à disposição. Outros passos terão também de seguir, na tentativa de alcançar um regulamento para as negociações do conflito na Síria. A Europa necessita de paciência estratégica, tanto para o desenvolvimento de novas estruturas governamentais nas sociedades profundamente divididas e radicalizadas da Síria e do Iraque, como também para o equilíbrio das perigosas rivalidades entre o Irã, a Arábia Saudita e a Turquia. Também o Norte da África está ameaçado, conflitos regionais e terrorismo podem derrocar o único êxito restante da “Primavera Árabe” – a nova ordem política na Tunísia.  

Assim, da falta de disposição e de capacidade dos europeus em unir as suas possibilidades de forma efetiva como resposta à crise dos refugiados, surge a necessidade de uma política externa mais fortemente engajada na vizinhança do continente – e isto, sob o presságio de uma presença reduzida dos Estados Unidos da América de um lado e, por outro, da intervenção da Rússia, motivada pela política de poder. Esta consequência dará o que fazer a alguns governos da UE, que acreditavam poder afastar o problema através de um bloqueio da política conjunta. Mas também terão de repensar aqueles governos que acreditavam poder solucionar o problema com bastante dinheiro.

Ao lado disto, não se pode deixar de observar que, com o plano de ação europeu-­turco, os problemas internos da União Europeia ainda não foram solucionados. Também aqui cresce a necessidade de uma ação conjunta, principalmente quanto a uma melhoria rápida da situação na Grécia, tanto na assistência aos refugiados como também no tocante ao despacho dos requerimentos de asilo. Se a Turquia não mais permitir que os refugiados viajem para a UE, a fraqueza do controle nas fronteiras externas da União Europeia não terá mais uma importância tão grande, mas o problema persistirá. A Europa necessita de um efetivo controle conjunto das fronteiras, para o qual todos os países contribuam. Este processo não pode ser bloqueado através de aspirações de soberania nacional.

Também sem solução está a acolhida pela Europa dos refugiados reconhecidos. Depois de deferido seu requerimento de asilo, eles deverão obter acolhida em outros países da UE. Outros acordos com a Turquia serão necessários, após o esgotamento da regra de 1 por 1 para a aceitação da volta de pessoas sem direito a asilo. Posteriormente, a UE terá de decidir se combinará contingentes através dos quais as pessoas dos campos de refugiados da Turquia poderão vir diretamente para a Europa. Se não forem acertados contingentes, a Turquia, mas também a Jordânia e o Líbano terão de arcar sozinhos com a sobrecarga dos refugiados. Dentro da UE, a disposição política de dividir a sobrecarga da acolhida de refugiados continua precária, mesmo depois da cúpula de março. Os acordos baseiam-se na participação voluntária dos países membros. Pode-se supor que, ao lado da Alemanha, um grande número de países da UE participará, se a rota dos traficantes para a Europa for bloqueada de maneira efetiva. A política alemã para a UE continuará empenhada numa participação do maior número possível de países e a própria Alemanha acolherá provavelmente a maior parte dos refugiados, a fim de preservar a “Europa como um todo”. De qualquer maneira, o acordo com a Turquia, no caso de sua consequente implementação, abrirá a perspectiva de uma migração calculável para a Alemanha e para a UE.

Do ponto de vista interno, o acordo de Bruxelas em 18 de março de 2016 foi um êxito urgentemente necessário para a política de Angela Merkel. “Esta chanceler é marinheira experiente, ela não fica enjoada. Que teria suposto isto? A tempestade é o seu elemnento”, comentou um importante jornal diário alemão sobre o desempenho de Merkel, o mesmo que havia criticado frequentemente a linha da chanceler nas semanas anteriores. Sem o acordo de Bruxelas faltava para Merkel a perspectiva verdadeira de uma mudança da situação. Além disto, não foram suficientes as restrições e adaptações no âmbito do direito de asilo, contidas no chamado Pacote Legal Asilo II da coalizão governamental. O conflito político sobre a linha governamental entre os partidos coligados CDU e CSU não pôde ser solucionado assim. Também o crescente apoio popular a partidos e grupos nacionalista-populistas permaneceu sem alteração. Angela Merkel tinha decidido que a limitação controlada da imigração, esperada pela opinião pública alemã, seria realizada através de uma solução humanitária europeia. Esta afirmativa era polêmica dentro da UE e foi, em parte, claramente bloqueada, o que enfraqueceu a posição de Merkel também na Alemanha. Em Bruxelas, a chanceler federal superou o bloqueio, como também a fraqueza na política interna, através do acordo com a Turquia. Para isto, ela assumiu novas chances e riscos, que exigem da Europa capacidade de ação na política externa.

Visto assim, o agora logrado início do fim da crise dos refugiados na Europa abre um novo capítulo da política externa e de segurança europeia. A Europa não se pode mais permitir a abstinência na política mundial.

Novos regulamentos

Em 17 de março de 2016

entrou em vigor na Alemanha o pacote legal Asilo II. Ele deve contribuir para que, em face do rápido crescimento do número de pedidos de asilo, determinados processos de asilo sejam decididos mais rapidamente – dentro do prazo de uma semana. Isto se refere a solicitantes vindos de países considerados seguros, a requerentes dúplices, bem como a requerentes de asilo que recusam a colaboração no processo decisório. A fim de solucionar melhor o fluxo de refugiados, foi suspensa também, pelo prazo de dois anos, a aceitação posterior das famílias de requerentes com “status” limitado (“proteção subsidiária”). Para os menores que fugiram sozinhos para a Alemanha podem valer as cláusulas de emergência – por exemplo, quando crianças ou jovens sofrem de doenças graves ou foram vitimas de maus-tratos. Por outro lado, os refugiados, que vieram dos campos na Turquia, Jordânia e Líbano para a Europa, podem trazer suas famílias com mais facilidade. Outras medidas preveem a redução moderada da ajuda financeira mensal para as necessidades pessoais e previnem o abuso de atestados que visam impedir a extradição.