O desafio da crise dos refugiados
A Alemanha empenha-se por uma solução humanitária europeia para a crise dos refugiados.
Meio ano depois do dramático agravamento da crise dos refugiados na Europa, os países da União Europeia (UE) firmaram um acordo em março de 2016, que poderá trazer o início do fim da crise. Significativamente, a abrangência do acordo vai além da UE, pois entre si os europeus não puderam chegar à medida necessária de coesão e determinação. Somente através da ampliação do círculo com a inclusão da Turquia é que os chefes de governo europeus lograram a compensação de interesses contraditórios: a Turquia recebe de volta todos os migrantes sem direito de asilo, que cruzarem sua fronteira com a UE. Para cada sírio recebido de volta pela Turquia, os países da UE acolherão um refugiado sírio vindo diretamente da Turquia. Eles apoiarão a Grécia no despacho rápido dos requerimentos de asilo e duplicarão até 2018 a ajuda para os refugiados na Turquia, até agora fixada em três bilhões de euros. Além disto, a UE concordou com a dispensa de visto de entrada para cidadãos turcos, condicionada ao cumprimento de uma série de condições políticas, jurídicas e técnicas.
O acerto de detalhes do Plano de Ação UE-Turquia, logrado com a cúpula de março, condiciona o êxito da política europeia de refugiados a uma cooperação com a Turquia e a disposição da política turca para uma cooperação séria. A situação do país numa vizinhança marcada por conflitos, seus riscos e conflitos internos e suas fraquezas quanto ao Estado de direito não geram as melhores condições para isto. Através do acordo, os países da UE aproximaram-se mais, ao mesmo tempo, das causas do fluxo de refugiados. Eles deixaram assim a zona confortável dos comunicados, conferências de prestação de ajuda e apoio ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e passaram a intervir diretamente no abastecimento dos milhões de refugiados do Oriente Médio e Próximo. A estabilidade da Europa depende agora em parte também da estabilidade da Turquia.
Pelo visto, a chanceler federal Angela Merkel tinha esta interligação em mente quando ressaltou em 16 de março de 2016, no seu pronunciamento oficial diante do Parlamento Federal: “Conflitos, que antes nos pareciam muito distantes, hoje nos envolvem diretamente, e eles sempre voltarão a envolver-nos diretamente também no futuro”. Pois o antigo padrão de reação do isolamento já não funciona mais; o “controle de efeitos externos”, como é chamado na linguagem da política de segurança, não é mais possível num mundo estreitamente interligado. Para a Europa, isto significa contribuir ativamente para a pacificação e a regulagem dos muitos conflitos na sua vizinhança, a fim de poder viver ela própria em segurança e paz.
Por isto, a ligação com a Turquia deverá ser apenas um elemento, dentro de um engajamento maior. A declaração da cúpula já continha alusão a uma intensificação da cooperação com o Líbano e a Jordânia, onde a situação das pessoas nos campos de refugiados é muito mais crítica que na Turquia. A conferência de ajuda financeira à Síria, de fevereiro de 2016 em Londres, trouxe a promessa da doação de uma ajuda de 6 bilhões de dólares em 2016 e de outros 6,1 bilhões de 2017 até 2020. A Alemanha contribuirá, de sua parte, com 2,3 bilhões de euros até 2018. Decisivo é que os recursos prometidos sejam realmente postos à disposição. Outros passos terão também de seguir, na tentativa de alcançar um regulamento para as negociações do conflito na Síria. A Europa necessita de paciência estratégica, tanto para o desenvolvimento de novas estruturas governamentais nas sociedades profundamente divididas e radicalizadas da Síria e do Iraque, como também para o equilíbrio das perigosas rivalidades entre o Irã, a Arábia Saudita e a Turquia. Também o Norte da África está ameaçado, conflitos regionais e terrorismo podem derrocar o único êxito restante da “Primavera Árabe” – a nova ordem política na Tunísia.
Assim, da falta de disposição e de capacidade dos europeus em unir as suas possibilidades de forma efetiva como resposta à crise dos refugiados, surge a necessidade de uma política externa mais fortemente engajada na vizinhança do continente – e isto, sob o presságio de uma presença reduzida dos Estados Unidos da América de um lado e, por outro, da intervenção da Rússia, motivada pela política de poder. Esta consequência dará o que fazer a alguns governos da UE, que acreditavam poder afastar o problema através de um bloqueio da política conjunta. Mas também terão de repensar aqueles governos que acreditavam poder solucionar o problema com bastante dinheiro.
Ao lado disto, não se pode deixar de observar que, com o plano de ação europeu-turco, os problemas internos da União Europeia ainda não foram solucionados. Também aqui cresce a necessidade de uma ação conjunta, principalmente quanto a uma melhoria rápida da situação na Grécia, tanto na assistência aos refugiados como também no tocante ao despacho dos requerimentos de asilo. Se a Turquia não mais permitir que os refugiados viajem para a UE, a fraqueza do controle nas fronteiras externas da União Europeia não terá mais uma importância tão grande, mas o problema persistirá. A Europa necessita de um efetivo controle conjunto das fronteiras, para o qual todos os países contribuam. Este processo não pode ser bloqueado através de aspirações de soberania nacional.
Também sem solução está a acolhida pela Europa dos refugiados reconhecidos. Depois de deferido seu requerimento de asilo, eles deverão obter acolhida em outros países da UE. Outros acordos com a Turquia serão necessários, após o esgotamento da regra de 1 por 1 para a aceitação da volta de pessoas sem direito a asilo. Posteriormente, a UE terá de decidir se combinará contingentes através dos quais as pessoas dos campos de refugiados da Turquia poderão vir diretamente para a Europa. Se não forem acertados contingentes, a Turquia, mas também a Jordânia e o Líbano terão de arcar sozinhos com a sobrecarga dos refugiados. Dentro da UE, a disposição política de dividir a sobrecarga da acolhida de refugiados continua precária, mesmo depois da cúpula de março. Os acordos baseiam-se na participação voluntária dos países membros. Pode-se supor que, ao lado da Alemanha, um grande número de países da UE participará, se a rota dos traficantes para a Europa for bloqueada de maneira efetiva. A política alemã para a UE continuará empenhada numa participação do maior número possível de países e a própria Alemanha acolherá provavelmente a maior parte dos refugiados, a fim de preservar a “Europa como um todo”. De qualquer maneira, o acordo com a Turquia, no caso de sua consequente implementação, abrirá a perspectiva de uma migração calculável para a Alemanha e para a UE.
Do ponto de vista interno, o acordo de Bruxelas em 18 de março de 2016 foi um êxito urgentemente necessário para a política de Angela Merkel. “Esta chanceler é marinheira experiente, ela não fica enjoada. Que teria suposto isto? A tempestade é o seu elemnento”, comentou um importante jornal diário alemão sobre o desempenho de Merkel, o mesmo que havia criticado frequentemente a linha da chanceler nas semanas anteriores. Sem o acordo de Bruxelas faltava para Merkel a perspectiva verdadeira de uma mudança da situação. Além disto, não foram suficientes as restrições e adaptações no âmbito do direito de asilo, contidas no chamado Pacote Legal Asilo II da coalizão governamental. O conflito político sobre a linha governamental entre os partidos coligados CDU e CSU não pôde ser solucionado assim. Também o crescente apoio popular a partidos e grupos nacionalista-populistas permaneceu sem alteração. Angela Merkel tinha decidido que a limitação controlada da imigração, esperada pela opinião pública alemã, seria realizada através de uma solução humanitária europeia. Esta afirmativa era polêmica dentro da UE e foi, em parte, claramente bloqueada, o que enfraqueceu a posição de Merkel também na Alemanha. Em Bruxelas, a chanceler federal superou o bloqueio, como também a fraqueza na política interna, através do acordo com a Turquia. Para isto, ela assumiu novas chances e riscos, que exigem da Europa capacidade de ação na política externa.
Visto assim, o agora logrado início do fim da crise dos refugiados na Europa abre um novo capítulo da política externa e de segurança europeia. A Europa não se pode mais permitir a abstinência na política mundial.
Novos regulamentos
Em 17 de março de 2016
entrou em vigor na Alemanha o pacote legal Asilo II. Ele deve contribuir para que, em face do rápido crescimento do número de pedidos de asilo, determinados processos de asilo sejam decididos mais rapidamente – dentro do prazo de uma semana. Isto se refere a solicitantes vindos de países considerados seguros, a requerentes dúplices, bem como a requerentes de asilo que recusam a colaboração no processo decisório. A fim de solucionar melhor o fluxo de refugiados, foi suspensa também, pelo prazo de dois anos, a aceitação posterior das famílias de requerentes com “status” limitado (“proteção subsidiária”). Para os menores que fugiram sozinhos para a Alemanha podem valer as cláusulas de emergência – por exemplo, quando crianças ou jovens sofrem de doenças graves ou foram vitimas de maus-tratos. Por outro lado, os refugiados, que vieram dos campos na Turquia, Jordânia e Líbano para a Europa, podem trazer suas famílias com mais facilidade. Outras medidas preveem a redução moderada da ajuda financeira mensal para as necessidades pessoais e previnem o abuso de atestados que visam impedir a extradição.