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Na terra de ninguém, do medo e da desconfiança

Muitos colombianos fogem da guerra e da violência para o Equador. Mas também lá costumam viver em situação relativamente precária. Um projeto alemão lhes dá coragem.

18.04.2016

Ela quer sair, mas a porta está fechada. De fora vem a voz de sua locatária: Ou você paga, ou você não sai daqui. É manhã bem cedo de 27 de junho de 2015; do lado de fora ainda está escuro; o tempo urge. O dinheiro, que Gabriela* economizou para sua fuga, não está destinado à locatária. Porém, ela não sabe o que fazer. Então, ela decide deixá-lo lá e fugir.

Gabriela fugiu da Colômbia. Há mais de 50 anos, um conflito armado entre o Estado e grupos guerrilheiros de esquerda domina o país. É verdade que o governo, após anos de negociações em Cuba, está prestes a assinar um acordo de paz, mas este ainda não resolverá todos os problemas. Paramilitares de direita, violentas máfias de drogas e outros grupos de criminosos continuam a espalhar o medo – especialmente na população rural.

Faz décadas que a guerra provoca a fuga de pessoas no país. Quase cinco milhões de colombianos vivem hoje no exterior; quase meio milhão requereu asilo ou já obteve o reconhecimento do status de refugiado. Quatro em cada dez desterrados não completaram o aprendizado escolar; a maioria vem das regiões do sul da Colômbia, como Nariño, Valle del Cauca ou Putumayo – áreas principais do conflito, marcadas pela pobreza e falta de oportunidades.

Os refugiados da Colômbia estão distribuídos por 45 países em todo o mundo, porém o maior grupo vive no vizinho Equador; por exemplo, a jovem Gabriela, agora com 21 anos. Para cada 56 000 refugiados registrados no Equador, chegam novos nove, de acordo com estimativas da agência da Nações Unidas para refugiados. Eles ficam no país sem status regulamentado. Apenas pouco menos de 700 registraram-se nos consulados colombianos como vítimas do conflito. “As pessoas não sabem seus direitos”, afirma Ralf Oetzel, da Deutsche Gesell­schaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), “ou não confiam nas autoridades”.

Superar esses bloqueios é o objetivo do projeto “Proteção dos Direitos Humanos em Situações de Migração” (PRODEM), chefiado pelo cientista político. Fomentado pela União Europeia e pelo Ministério da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha, o PRODEM apoia desde 2013 o trabalho de organizações locais e internacionais. Elas esclarecem os atingidos sobre seus direitos, capacitam jornalistas e proporcionam, assim, grande visibilidade ao tema.

Quase três anos depois, os resultados são claramente visíveis. “Nunca antes um governo daqui havia reconhecido a existência de refugiados”, afirma Marco Romero. O especialista em migração dirige a organização colombiana de direitos humanos CODHES, que apoia o PRODEM em suas campanhas de esclarecimento e coordena o trabalho feito em conjunto com os meios político e científico. Na visão de Romero, o início desse debate sobre os refugiados na Colômbia é uma vitória do projeto. Agora, o tema entrou até na pauta das negociações de paz em Havana. Para ele, o fato de os representantes do governo e da guerrilha mencionarem explicitamente as vítimas no exterior, num acordo parcial divulgado no fim de 2015, pode ser visto como o maior êxito do projeto. “Pela primeira vez, nós ­falamos aqui sobre este grupo, sobre seu direito a uma indenização e um possível ­retorno à Colômbia”.

Em seu cotidiano, muitas vítimas ainda percebem pouco tais progressos. Gabriela faz parte daqueles que não querem retornar. Na Colômbia, a jovem vivia com medo permanente. De forma involuntária, seu pai foi, em abril de 2015, testemunha de uma extorsão para proteção. Poucos dias depois, ele recebeu a primeira ameaça de morte. Em maio, ele abandonou o país, ­levando consigo a esposa e os filhos mais novos. Em junho, Gabriela e o resto da família o seguiram.

Mas no Equador a vida também não está sendo fácil. Conhecidos ameaçaram a irmã mais nova de Gabriela. Certa vez, um homem desconhecido estava diante da casa, na qual a família de sete pessoas ocupa dois quartos, e fazia fotos. Gabriela só deixa de lado estes acontecimentos particulares quando está no “Tu Voz en la Frontera”. Trata-se de um programa transmitido por mais de 20 
rádios comunitárias nos dois lados da fronteira e é igualmente resultado do 
PRODEM. “O programa, com mais de três ­milhões de ouvintes, dá literalmente uma voz aos atingidos”, afirma Ralf Oetzel. Gabriela conta que as trans­missões e os workshops com docentes da Deut­sche Welle, a emissora ­internacional da Alemanha, a ajudaram a falar de sua fuga.

O PRODEM alcançou muitas pessoas. ­Somente a equipe da CODHES viajou dez vezes à região fronteiriça para campanhas de esclarecimento. Até mesmo refugiados, que não sabem ler e escrever, conhecem agora que direitos possuem e como podem requerê-los; sabem também que a Colômbia os reconhece como vítimas. Na pequena cidade equatoriana de San Lorenzo, na qual, até três anos atrás, nem sequer um colombiano estava cadastrado oficialmente, 170 registraram suas reivindicações de indenização.

No início de 2016, o PRODEM chegou a seu fim. Os participantes estão certos de que haverá continuidade no apoio às pessoas – no sentido de uma ajuda mundial aos refugiados, que os atingidos receberão não apenas quando ela bate à sua própria porta. ▪

*Nome alterado pela redação.