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“Nosso programa se chama ‘Together First’”

Como as crises podem ser superadas em longo prazo e que papel é desempenhado pelo  multilateralismo. Entrevista com o embaixador na ONU, Christoph Heusgen.

 

25.03.2019
Christoper Heusgen
© UN Photo/Eskinder Debebe

Mudança do clima, migração, desarmamento – muitos temas só podem ser solucionados através das fronteiras nacionais. Christoph Heusgen, representante permanente da Alemanha nas Nações Unidas em Nova York, sobre o significado do multilatera­lismo hoje e os caminhos para solucionar as crises a longo prazo.

Sr. embaixador Heusgen, desde o início de 2019, a Alemanha é outra vez membro no Conselho de Segurança da ONU. Percebe-se lá que as Nações Unidas estão sob pressão de diversas partes atualmente?

Sim e não. Diferentemente do que a gente talvez suponha, o moral entre os colegas no Conselho é bom. Podemos falar tranquilamente também sobre temas críticos e tentar encontrar respectivas soluções. Por outro lado, as tensões da política mundial refletem-se naturalmente também no Conselho de Segurança. No conflito da Ucrânia ou na Venezuela, por exemplo, é difícil ir adiante atualmente, em face das grandes divergências de opinião.

Especialmente os EUA veem no momento de forma muito crítica a ideia do multilateralismo. Isso nós pudemos observar mais uma vez recentemente na Conferência de Segurança de Munique. Como isso afeta os trabalhos concretos na ONU?

Os EUA são críticos, isso é correto. E isso se mostra também na ONU, com o cancelamento do Tratado INF, a retirada do Acordo do Clima, a não participação no Global Compact for Migration, só para citar alguns exemplos. A administração Trump vê a ONU de forma inteiramente diferente do governo de Obama.

Isso significa um afastamento consequente da ONU?

Não é não. Por um lado, os americanos transgridem resoluções da ONU, por exemplo, quando se retiram do acordo atômico com o Irã ou quando transferem a embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém. Por outro lado, são então muito interessados em soluções multilaterais, por exemplo, quando se trata de sanções contra a Coreia do Norte. Nós tentamos convencer nossos colegas americanos de que, em longo prazo, é do seu interesse respeitar todas as regras internacionais, que o mundo funciona simplesmente melhor com uma ordem baseada em regras, que assim é mais fácil solucionar os conflitos.

Como se comportam os outros países? Vivemos no momento algo assim como um retrocesso para a época do nacionalismo?

Eu não formularia isso dessa maneira. Mas vemos realmente, que diversos países na ONU põem novamente a própria soberania no centro das atividades, que aumenta o pensamento em categorias de países isolados. Especialmente a China e a Rússia, por exemplo, visam mais fortemente os interesses próprios. Apesar disso, a ONU como instituição não é questionada. Pelo contrário. Ela continua sendo o grêmio mais importante da política mundial. Veja os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que fixaram um roteiro para o futuro do nosso planeta. Veja a mudança do clima, os movimentos migratórios mundiais. Tudo isso são temas, que não poderiam ser tratados sem a ONU.

 

Estando no Conselho de Segurança, queremos enfocar a prevenção de crises.
Christoph Heusgen, representante permanente da Alemanha nas Nações Unidas

Como são concretamente as metas da Alemanha para os dois anos no Conselho de Segurança?

Desejamos enfocar a prevenção de crises, pois a prevenção sempre é melhor do que juntar os cacos posteriormente; também o desarmamento é tema central, a fim de banir o risco de uma nova corrida armamentista. E nós enfocamos os direitos humanos, pois seu desrespeito gera frequentemente conflitos. Importante para nós é também o empenho contra a violência sexual contra mulheres nos conflitos, um tema que é subestimado frequentemente. Quando isso é empregado sistematicamente como recurso de guerra, no Sul do Sudão, no Congo ou por exemplo em Myanmar, então o tema assume relevância na política de segurança. Nós queremos chamar a atenção para essa importância.

Prevenção, desarmamento, direitos humanos, violência sexual contra as mulheres – há ainda mais na agenda alemã?

Proteção do clima, pois também as mudanças do clima podem representar um risco de segurança. Na zona do Sahel, já podemos observar isso; lá as pessoas migram de territórios secos para outras áreas, onde surgem então conflitos pela água e pela terra. E isso que ainda estamos no início do au­mento global das temperaturas.

A Alemanha será levada a sério com esta agenda moderada?

Queremos tratar de um conceito ampliado de segurança, pois só poderemos solucionar as crises por longo prazo, se tratarmos das causas e elas estão ligadas frequentemente com violações dos direitos humanos e com a pobreza. Acreditamos que a lógica está em nosso favor.

De que maneira exata, o senhor irá apresentar esses pontos?

Vamos aproveitar sobretudo o nosso turno na presidência do Conselho de Segurança. Ela muda mensalmente entre os membros, em ordem alfabética. Nós assumiremos em março e abril. Mais exatamente, faremos uma presidência dupla com a França, pois por acaso nós conduziremos os trabalhos do Conselho em dois meses subsequentes. Apresenta-se então os planos de trabalho e pode-se incluir os próprios temas na pauta do dia. Mas também fora desses dois meses, nós tentamos sempre dirigir a atenção para os nossos temas prioritários.

 

E nessa orientação, o senhor está de pleno acordo com a França?

A cooperação na ONU é, de qualquer forma, muita estreita entre nossos dois países. E nos preparativos para o nosso mandato como membro não permanente, desenvolvemos a ideia de uma presidência conjunta. Dessa forma, isso nunca ocorreu antes na ONU e é um símbolo forte de uma parceria institucionalizada.

O que ocorre com a clássica solução de conflitos. Onde a Alemanha se empenha e como?

Nós nos empenhamos na solução de todos os conflitos. Somos engajados na Ucrânia, Síria, Iêmen, Coreia do Norte, só para mencionar alguns; nesse último, presidimos até mesmo a importante comissão de sanções. Além disso, a Alemanha é a segun­da maior doadora de ajuda humanitária no mundo.

 

Na era da globalização, o multilateralismo é mais importante que nunca
Christoph Heusgen, representante permanente da Alemanha nas Nações Unidas

Isso virá junto com maiores contribuições para os “capacetes azuis” da ONU, como é reivindicado internacionalmente? Não são só os EUA que desejam que a Alemanha destine mais verbas à defesa.

Para mim, essa forma de avaliação é muito estrita. Nós não nos fixamos apenas à meta dos 2 %, segundo a qual 2 % do Produto Interno Bruto devem ser destinados à defesa. Também a cooperação para o desenvolvimento é uma contribuição para a segurança e a estabilidade. A chamada cota ODA, que determina a destinação de 0,7 % do PIB à ajuda para o desenvolvimento, é também uma resolução da comunidade internacional. Nós cumprimos essa cota, os EUA não; eles estão em cerca de 0,18 %. Os conflitos não podem ser solucionados apenas militarmente. E que a Alemanha, com a sua história especial no setor militar, seja um pouco reser­vada, eu considero muito prudente e plausível.

Isso vale também para a África, onde ocorrem a maior parte das missões dos “capacetes azuis” no momento?

Eu não creio que o futuro seja o envio de milhares de soldados das Forças Armadas alemãs para o Sul do Sudão, o Congo ou a Somália. Nossa meta tem de ser – como Alemanha, também como UE – an­tes de mais nada o treinamento das tropas locais. Queremos apoiar a União Africana, para que solucione os conflitos no seu próprio continente.

No entanto, a África não tem mandato permanente no Conselho de Segurança até hoje. Como é a reforma, sobre a qual já se discute há mais de 20 anos? Ainda vale a pena empenhar-se por ela?

Absolutamente. Se nós damos valor à ONU, então devemos fortalecer a sua legitimidade. A composição atual do Conselho não reflete mais a realidade do mundo. Em primeira linha, há que mencionar os 54 países africanos, que não possuem nenhum mandato permanente. Mas também outros atores não estão representados lá de forma adequada.

A Alemanha mantém a sua aspiração, apesar de estar mais ou menos marcando passo?

Nós mantemos nossa posição e formamos um grupo de interesse, juntamente com o Brasil, o Japão e a Índia. Porém é certo que estamos atualmente marcando passo. Há países que bloqueiam essa questão. Há que citar de início a China, que impede mesmo os menores progressos e é contra, basicamente, todo tipo de reforma. Mas vale a pena insistir nessa questão.

O que tem de ocorrer, para que o senhor possa fazer um balanço positivo após dois anos no Conselho de Segurança?

Nós estabelecemos nossas metas, que eu já mencionei. Se vamos conseguir alguma coisa, depende naturalmente não apenas de nós mesmos, mas em grande parte também da situação política mundial. Por isso, é importante para nós poder dizer depois, que fizemos tudo nesses dois anos, a fim de impor as nossas metas e valores, e de nos apresentar como forte defensores do multilateralismo.

O ministro Heiko Maas intitulou seu discurso diante da Assembleia Geral no outono de 2018 com o lema “Together First”. É este também o seu lema para o mandato no Conselho de Segurança?

Isso é mais que um lema. É o nosso programa; ele decorre da forte convicção, de que os desafios do nosso mundo só podem ser enfrentados conjuntamente. Nesta época da globalização, a ideia do multilateralismo é mais importante do que nunca.

Entrevista: Friederike Bauer

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