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Um homem que gera controvérsias

Mesmo no 100º aniversário de Joseph Beuys, os críticos ainda não conseguem ter uma opinião unânime sobre ele.

Jürgen Moises, 08.05.2021
Grafite de Beuys em Düsseldorf
Grafite de Beuys em Düsseldorf © picture alliance/dpa

Foi só uma vez que Joseph Beuys tirou o seu chapéu de feltro. Foi no ano de 1972, na Documenta 5 de Kassel, quando ele desafiou o seu aluno David Christian-Moebuss para uma luta de boxe. Naquela época o artista fizera uma contribuição para a Documenta, instalando um “Escritório para a democracia direta e a voz do povo”. Antes da luta de boxe – que ele venceu no terceiro round – ele havia discutido durante três meses com o seu público sobre a arte e a abolição dos partidos. Ele tinha na época pouco mais de cinquenta anos e já era um astro do cenário da arte alemão. Usando o seu chapéu de feltro e o seu colete de pesca, ele já se tornara um ícone, que, depois de ter participado de muitos talk shows, sempre era reconhecido nas ruas. Em meados de 1970, ele se tornou conhecido em uma ação nos EUA , na qual passou vários dia com um coiote em uma galeria. Beuys se encontrou com o Dalai Lama e plantou 7 000 carvalhos em Kassel. E candidatou na época pelo partido dos Verdes, recém fundado, apresentando-se na televisão com uma canção pop política.   

Joseph Beuys, que em 12 de maio completaria 100 anos, fez tudo isso em nome da arte. E ele o fez para salvar a humanidade das afrontas cometidas pela modernidade e para a curar das feridas e das angústias, através de uma implacável crença na arte. Para tanto, ele recorria a quase todos os meios. É possível que esse desenhista, escultor, ativista, professor e feiticeiro da arte, a quem se deve a frase "Toda pessoa é um artista", fosse hoje um astro do Youtube. Obviamente, ele teria se tornado um dos mais influentes artistas alemães do pós-guerra e, como Andy Warhol, uma personalidade do século. Beuys, que morreu em 1896, foi amado e respeitado pelos seus alunos, mas ridicularizado e odiado pelos seus oponentes. Ele foi um homem que gerou controvérsias. E isto também será o caso neste ano comemorativo, que será celebrado com grande pompa na Renânia do Norte-Vestfália.

A lenda dos tártaros

Foi nesse Estado, mais precisamente, em Krefeld, que Beuys nasceu em 12 de maio de 1921. Filho de um comerciante de Kleve, ele estudou depois Escultura Monumental na Academia de Artes de Düsseldorf, onde também foi docente no começo da década de 1960. Entre essas duas datas, aconteceu a II Guerra Mundial, que marcaria a sua biografia, servindo também de elemento esclarecedor. Joseph Beuys pertenceu à Juventude Hitlerista e participou da queima de livros em Kleve, no pátio da sua escola ginasial. Ele serviu durante doze anos às forças aéreas da Luftwaffe, como atirador a bordo de um Stuka , tendo, com certeza, atirado em muitas pessoas. Uma lenda, que hoje é considerada uma invenção, é a de que ele, depois de ter sofrido acidente aéreo na Crimeia, em março de 1944, foi cuidado por tártaros, que o trataram com gordura animal, envolvendo-o em feltro para o aquecer. Segundo Beuys, esse foi um “segundo nascimento”, o que explicaria, depois, a sua predileção pelo uso de gordura e feltro como materiais artísticos.

A história da banheira

Gordura e feltro podem armazenar energia e manter o calor, e o calor era para Beuys o catalizador para gerar criatividade. Ele acreditava que a pessoa humana poderia encontrar a liberdade e a si própria somente através da criatividade, para que, então, a obra artística pudesse atuar sobre a sociedade. Ao lado do feltro ou da gordura – como ele fez em obras famosas, como a da “Banheira” que fora antes limpada por uma empregada doméstica – , a cera, o mel ou os ossos de animais eram também para Beuys materiais artísticos para ações e ideias. Era o que ele queria dizer com o “conceito ampliado de arte”. A configuração artística da sociedade era para ele “escultura social”, dois conceitos muito importantes para Beuys.

A proximidade à antroposofia

A ideia de que a arte cura as dores da alma deveria se reportar às experiências feitas na década de 1950, quando Beuys sofreu de depressões graves, por causa da dissolução de um noivado e, com certeza, também por causa de não ter passado a limpo o seu passado no Terceiro Reich. Beuys encontrou ajuda na família van der Grinten, em cuja chácara em Kleve ele trabalhou, e em livros e em escritos teóricos. Nietzsche, Goethe, Hamsun, ideias religiosas e ecológicas o ajudaram a encontrar o seu caminho, mas o que mais o influenciou foram Rudolf Steiner e a antroposofia. Quando Beuys fala da “alma”, da “cura”, da “ressurreição” ou do “gênio alemão”, então isso soa em harmonia com o pensamento de Steiner. Daí, isso se torna esotérico e estranho. Dado que em Steiner também se encontram tendências nacionalistas e racistas, a proximidade de Beuys à antroposofia é uma das coisas que se critica hoje em dia.

A recepção atual

Mas existe também Joseph Beuys, o orador e professor fervoroso, que com Katharina Sieverding, Jörg Immendorff ou Blinky Palermo, influenciou toda uma geração de artistas. Existe Beuys, o ativista, que transformou a nossa ideia de arte, que mostrou que a arte não é uma questão do material, mas da atitude. Por isso, em uma atual exposição em Düsseldorf, ele é colocado próximo a Edward Snowden e Greta Thunberg, enquanto outras pessoas o querem ver como o discípulo de Steiner e inimigo da democracia parlamentar, colocando-o ao lado dos “negacionistas”. Mas certo é que Beuys também tinha bom humor e que foi um desenhista excepcional. Agora, se trata de juntar todas essas facetas e essas contradições sob o mesmo teto, o que não é fácil, pois, em Beuys, não se pode separar a arte do artista. Isto também é parte do seu legado. E ainda há mais: ele, que podia discutir horas a fio, com todos os que queriam, sobre a sua obra, a arte e a sociedade, não pode mais nem falar nem responder. Agora, somos nós que temos de falar sobre ele. E o seu 100º aniversário é uma boa oportunidade para isso.

© www.deutschland.de

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