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“Maior ajuda é necessária”

O Comissário de Refugiados da ONU, António Guterres, sobre a atual crise de refugiados e o papel da Alemanha.

16.12.2014
© dpa/Thomas Imo/Pool - UNHCR

Sr. Guterres, o senhor é Alto Comissário de Refugiados das Nações Unidas há quase dez anos. Como a situação mundial se transformou no correr dos últimos anos?

Nos anos passados, aumentou consideravelmente o número de fugas e de banimento. Quando assumi o cargo, cerca de 38 milhões de pessoas em todo o mundo eram refugiadas ou vítimas de banimento em razão de violência e perseguição. No final de 2013, as estatísticas globais acusaram a existência de mais de 51 milhões de pessoas em fuga. O número de conflitos aumentou, enquanto que crises antigas permaneceram sem solução. A necessidade de ajuda humanitária cresce entretanto continuamente.

Há atualmente qualquer motivo para otimismo?

Eu não sou otimista de que esse desen­volvimento venha a sofrer uma reversão em futuro próximo – visto de maneira internacional, há simplesmente muito pouca capacidade para que se possa evitar e solucionar os conflitos. Fatores como o crescimento populacional, a transformação do clima, a escassez de alimentos e de água agravam a situação humanitária. Importante é, contudo, que o direito de asilo – à parte de algumas exceções – seja amplamente respeitado e que a maioria das pessoas logrem encontrar proteção diante de conflitos e perseguição. A grande maioria dos refugiados de hoje é acolhida, entretanto, por países em desenvolvimento. Nesse ponto, necessita-se claramente de maior apoio internacional.

As guerras civis na Síria e no Iraque provocaram uma catástrofe humanitária. A comunidade internacional assumirá sua responsabilidade em relação às pessoas atingidas?

É enorme a disposição de ajuda dos doadores humanitários, mas a penúria é tão grande, que isto não é, de forma alguma, suficiente. Além das consequências do conflito da Síria para a política de segurança de toda a região, os países vizinhos são atingidos fortemente pelos enormes fluxos de refugiados. Para poder ajudar 
os refugiados, é preciso ajudar também 
os países que lhes dão acolhida. É muito grande a pressão sobre a sua infraestrutura, seus hospitais, suas escolas e seus 
orçamentos públicos. Agora necessita-se de ajuda para o desenvolvimento, a fim de estabilizar a situação.

Também na Alemanha, o número de refugiados é tão grande, como não ocorria desde meados dos anos de 1990. O país está bem preparado para isto?

No contexto europeu, a Alemanha tem uma longa tradição de concessão de asilo político. Em face da crise atual, muitos municípios e muitos cidadãos estão fazendo grandes esforços e empenham-se de maneira veemente para dar boas-vindas aos que buscam proteção e em prestar-­lhes solidariedade. Isto merece um grande reconhecimento, pois pressupõe a existência de um amplo consenso social. Quando se trata de dar aos refugiados uma acolhida com um padrão humanitário adequado, é necessário obviamente mais do que apenas uma cama para pernoite. Eu tenho plena consciência sobre os desafios que traz consigo o crescente número dos requerentes de asilo e tenho confiança de que as melhorias necessárias e o aumento das capacidades de acolhimento são vistas agora como tarefas políticas prioritárias.

O senhor se manifestou criticamente, várias vezes, sobre a falta de harmonização na política europeia de asilo político. No ano de 2013, o Parlamento Europeu deu sinal verde para um sistema europeu de asilo. A Europa está no caminho certo?

A nova versão das diretrizes do processo de asilo no sistema europeu conjunto de asilo é um importante passo à frente. Contudo, muitos Estados europeus ainda têm um sistema frágil de asilo.

Até que ponto?

Os requerentes de asilo têm dificuldades em obter acesso a alguns países e processos. Existem diferenças marcantes entre os países membros no tocante às cotas 
de reconhecimento do status de refugiado para pessoas provenientes de um mesmo país. E os pagamentos de subsídio para a integração de refugiados reconhecidos são, com frequência, insuficientes. Muitos países europeus têm de lutar com desafios complexos. Os países no Leste e no Sud­este da Europa, bem como nas fronteiras externas do Sul, têm de cumprir tarefas especialmente difíceis. Um exemplo trágico são os dramas dos refugiados no Mar Mediterrâneo. Com o fim da operação “Mare Nostrum”, da Marinha italiana, para a qual não há nenhum substituto adequado quanto às capacidades de busca e resgate, eu temo que haverá ainda mais mortos. A Europa acolhe apenas oito por cento dos refugiados e solicitantes de asilo de todo o mundo. É possível, pois, encontrar soluções.

Quais serão no futuro os grandes desafios para a ajuda aos refugiados e que países, ao lado da Síria e do Iraque, causam-lhe preocupação?

A atenção da mídia volta-se sobretudo 
para o Oriente Médio e a Ucrânia, mas 
para o ACNUR, a maior demanda financeira e de pessoal está na África. O Sul do Sudão e a República Centro-Africana são atingidas atualmente por graves crises humanitárias. Além disto, existe um grande número de crises não solucionadas de longo prazo, que atingem os refugiados há 
décadas. A Somália e o Afeganistão são exemplos disto. Nestes casos, cooperamos estreitamente com os respectivos países, com os países que acolhem os refugiados 
e com outras organizações, a fim de encontrar soluções adequadas. ▪

Entrevista: Helen Sibum