“Falar mais sobre a liberdade de imprensa”
Dois prestigiados jornalistas investigativos dão, em um filme documentário, uma impressão do seu trabalho. Aqui, eles explicam o porquê.
Panama Papers, Paradise Papers, IbizaGate – muitas das mais importantes revelações jornalísticas dos últimos anos estão ligadas aos nomes de Bastian Obermayer e Frederik Obermaier. Estes dois jornalistas do periódico Süddeutsche Zeitung (SZ) receberam pelas suas investigações muitos prêmios, entre eles o Prêmio Pulitzer. O filme documentário "Hinter den Schlagzeilen" (Por trás das manchetes), de Daniel Sager, em cartaz em 2021, nos permite ter uma ideia surpreendente e profunda do trabalho dos jornalistas.
Senhor Obermaier, senhor Obermayer, como foi para os senhores, jornalistas investigativos, estar de repente no papel de protagonistas?
Frederik Obermaier: Não foi para nós uma decisão fácil cooperar com tal projeto cinematográfico. Nossa preocupação principal foi talvez pôr em risco as nossas fontes de informação. Mas, finalmente, o que nos convenceu foi o argumento de que vivemos em uma época, na qual não se pode cansar de explicar o jornalismo de maneira transparente. Existe, por exemplo, a ideia de que os jornalistas e as jornalistas recebem uma informação explosiva e, alguns minutos depois, já a postam na internet. Na verdade, uma tal publicação tem que passar, antes da publicação, por um longo processo de controles e contestações, sendo que obviamente sempre damos às partes, às quais fazemos as acusações, a possibilidade de se manifestar.
No filme, tudo parece ser objetivo, reservado, quase sem emoções. Mas hoje em dia, essas coberturas investigativas também acontecem em formato de shows de televisão. Exemplos são os comediantes John Oliver, dos EUA, ou Jan Böhmermann, da Alemanha. O que os senhores dizem sobre isso?
Bastian Obermayer: Creio que a mistura entre investigação e entretenimento funciona muito bem em tais shows. E eu as aprecio muito, dado que elas alcançam um grande público. É claro que os temas pragmáticos têm aceitação mais difícil em um show, mas, basicamente, toda investigação pode ser muito divertida, se ela for bem apresentada, se se fizer uso de fatos que deixem as pessoas de boca aberta. Isto é também o que tentamos fazer. Queremos que as pessoas digam, depois de ler: “Não é possível!”. Creio até mesmo que essa admiração sobre uma calamidade, sobre o seu significado e sobre a dimensão do problema é necessária para gerar grande atenção em uma época, na qual toda pessoa pode estar permanentemente distraída.
Mas, agora, os seus meios são bem diferentes do que os de shows de entretenimento, não é?
Frederik Obermaier: Creio que essa apresentação emocional e agitadora alcança um outro público do que aquele que nós alcançamos com a nossa maneira reservada. Aliás, a nossa maneira nos obriga a trabalhar relativamente mais devagar. Se bem que sejamos empregados de um jornal diário, fazemos nossas investigações pensando em ciclos de semanas, meses e, até mesmo, anos, pois sabemos que precisamos desse tempo para pesquisar e apresentar amplamente um tema.
Redatores e redatoras que investigam anos a fio têm que trabalhar para uma mídia que pode se dar a esse luxo.
Bastian Obermayer: Muitos colegas e muitas colegas estão atualmente sob uma enorme pressão de tempo e, consequentemente, não têm mais capacidades para fazer investigações. Por outro lado, muitos departamentos de investigação são fundados em muitos lugares, pois a mídia reconheceu que, pesquisar a fundo ou não, está se tornando uma crescente característica ímpar. Temos uma grande satisfação em ter aqui no SZ essas condições de trabalho.
Sendo que essa ideia de concorrência talvez não seja mais atual, não é? Muitas das investigações mais importantes dos últimos anos não teriam sido possíveis sem a cooperação das empresas da mídia concorrentes – em particular, os Panama Papers, cujo vazamento de informações foi primeiramente feito para o seu departamento.
Frederik Obermaier: Uma investigação, como a dos Panama Papers, com mais de onze milhões de documentos, realmente não poderia ter sido feita por nenhuma pessoa sozinha, nem mesmo por um conglomerado de mídia, como a CNN. Isso confirma uma tendência à cooperação, a qual se vem notando nos últimos anos. Os jornalistas e as jornalistas estão procurando a cooperação e a imagem do lobo solitário foi substituída por uma mentalidade “power-of-the-pack”. A melhor maneira de se enfrentar problemas que transpõem fronteiras é unir-se com um grupo transfronteiriço. Para mim, é maravilhoso ver quantas revelações foram feitas dessa maneira e quantas ainda vão ser feitas. No futuro, seria melhor ainda se se pudessem trazer para esses grupos mais jornalistas de países emergentes, pois, atualmente, essas redes ainda continuam firmemente ancoradas no mundo ocidental.
O informante Edward Snowden, que aparece em uma cena do filme, julga a publicação dos Panama Papers uma revelação revolucionária. Fazendo as suas investigações, o senhor sempre esteve pensando nos efeitos que elas poderiam ter?
Bastian Obermayer: Não tentamos avaliar as nossas histórias com base em sua possível apreciação futura. Nós chamamos a atenção para um problema e não somos responsáveis pelas reações que surgem daí. Mas uma coisa é certa: não conheço nenhuma investigação que tivesse tido mais impacto do que os Panama Papers, pois eles diziam respeito a muitos países, desde demissões e aprisionamentos de chefes de governo, incluindo outras investigações e indo até a aprovação de novas leis para impedir a lavagem de dinheiro. Mas o caso de IbizaGate nos surpreendeu totalmente. Nunca teríamos contado com tais reações. Já no próprio dia da publicação, milhares de pessoas manifestaram diante da sede de governo da Áustria e Heinz-Christian Strache, populista de direita e vice-chanceler, teve que renunciar ao seu posto. E novas eleições foram convocadas. Não se pode e não se deveria contar com tal reação.
Quanto maior for o efeito causado por uma história, tanto mais perigosa poderá ser a situação para os jornalistas e as jornalistas que trabalharam nessa história. Em outubro de 2017, uma das suas colegas, a jornalista Daphne Caruana Galizia, foi morta por uma bomba em Malta.
Frederik Obermaier: Desde muito tempo, muitos dos nossos colegas e das nossas colegas vem sendo infelizmente ameaçados. O terrível assassínio de Daphne mostrou que temos de falar mais sobre a liberdade de imprensa e de com a podemos defender, quando, por exemplo, chefes de Estado se referem a jornalistas, chamando-os de inimigos da sociedade, preparando assim, verbalmente, o terreno para a violência. Este é um desenvolvimento maléfico que nós, os jornalistas e a sociedade, temos que combater.